2ª Jornada de História da Arquitetura em Portugal | 2014
Casa Nobre
Textos de Apoio
A Habitação Urbana na Época Moderna: modos de habitar
Doutora em História da Arte Portuguesa | Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Viseu | CITCEM
Sob a ampla designação de “Habitação” e analisando um período que medeia entre o início do século XVI e o final do século XVIII, são tão diversas as realidades materiais a analisar quão díspares os seus agentes e mundividências. A materialidade da casa é, em última análise, sempre o reflexo da realidade social e do quadro mental de quem a habita.
Para efeitos de sistematização podemos dividir a temática em dois blocos: Casa Nobre e Casa Corrente. No entanto, esta divisão artificial é útil apenas em termos organizativos e esbarra no terreno material e documental com as fronteiras ténues do real. Casa nobre porque pertença de nobres ou devido à magnificência da sua fábrica? Taxonomia arquitetónica ou social? A realidade do habitar na época moderna reveste-se de contornos bem mais permeáveis e o poder económico atenua muitas vezes as diferenças de status.
A Casa Nobre em Portugal, na época moderna, não se reveste da magnificência característica de outros países europeus, não sendo comuns entre nós verdadeiros palácios, se excetuarmos os da família real, mas tão só habitações de maiores dimensões, e com uma dinâmica interna mais complexa que, pelo seu volume e riqueza decorativa, se destacamdas demais. A sua especificidade funcional tende a aumentar ao longo da época moderna, verificando-se uma maior especialização dos espaços no século XVIII em comparação com o século XVI, e o gosto estético corresponde naturalmente ao da época de construção, mas as principais características são comuns a todo o período.
A designação Casa Corrente pretende agrupar sob uma mesma denominação realidades habitacionais sem dúvida diversas, mas que escapam, em última análise, ao universo da casa nobre. Confluem aqui todas as residências que não sendo pertença de nobres, ou de tal maneira grandiosas que façam adivinhar a nobilitação, se perdem no vasto campo do anonimato, se a casa nobre era a exceção, a casa corrente, como o próprio nome indica, era a norma. Local de residência, mas muitas vezes, também de exercício de uma atividade comercial, esta arquitetura é sempre reflexo do seu ocupante, seja ele detentor da propriedade ou apenas inquilino. Moldada, ao longo da época em análise, pelas subtis mudanças de paradigma social, sempre mais lentas e menos penetrantes nos extratos inferiores da sociedade, assistimos a um lento penetrar de novas estéticas e novas formas de habitabilidade, sem que no entanto as suas características intrínsecas sejam alteradas. Formalmente caracterizam-se pelas suas menores dimensões, em termos de implantação no terreno e em termos globais e, maior expressão em altura e menor especialização funcional dos seus “repartimentos”, face à casa nobre. A utilização maioritária de materiais “pobres” e facilmente degradáveis, bem como as alterações das necessidades habitacionais ao longo de cinco séculos fez com que chegassem até aos nossos dias poucos exemplares deste tipo de arquitetura.
Entender a casa é assim entender o Homem, a família, a profissão. A Habitação é o reflexo das atividades quotidianas mais do que das extraordinárias, do esforço individual ou familiar e não do poder político ou religioso, mas talvez por isso reveste-se de uma riqueza histórica e cultural de que as grandes construções programáticas estão isentas.
Para efeitos de sistematização podemos dividir a temática em dois blocos: Casa Nobre e Casa Corrente. No entanto, esta divisão artificial é útil apenas em termos organizativos e esbarra no terreno material e documental com as fronteiras ténues do real. Casa nobre porque pertença de nobres ou devido à magnificência da sua fábrica? Taxonomia arquitetónica ou social? A realidade do habitar na época moderna reveste-se de contornos bem mais permeáveis e o poder económico atenua muitas vezes as diferenças de status.
A Casa Nobre em Portugal, na época moderna, não se reveste da magnificência característica de outros países europeus, não sendo comuns entre nós verdadeiros palácios, se excetuarmos os da família real, mas tão só habitações de maiores dimensões, e com uma dinâmica interna mais complexa que, pelo seu volume e riqueza decorativa, se destacamdas demais. A sua especificidade funcional tende a aumentar ao longo da época moderna, verificando-se uma maior especialização dos espaços no século XVIII em comparação com o século XVI, e o gosto estético corresponde naturalmente ao da época de construção, mas as principais características são comuns a todo o período.
A designação Casa Corrente pretende agrupar sob uma mesma denominação realidades habitacionais sem dúvida diversas, mas que escapam, em última análise, ao universo da casa nobre. Confluem aqui todas as residências que não sendo pertença de nobres, ou de tal maneira grandiosas que façam adivinhar a nobilitação, se perdem no vasto campo do anonimato, se a casa nobre era a exceção, a casa corrente, como o próprio nome indica, era a norma. Local de residência, mas muitas vezes, também de exercício de uma atividade comercial, esta arquitetura é sempre reflexo do seu ocupante, seja ele detentor da propriedade ou apenas inquilino. Moldada, ao longo da época em análise, pelas subtis mudanças de paradigma social, sempre mais lentas e menos penetrantes nos extratos inferiores da sociedade, assistimos a um lento penetrar de novas estéticas e novas formas de habitabilidade, sem que no entanto as suas características intrínsecas sejam alteradas. Formalmente caracterizam-se pelas suas menores dimensões, em termos de implantação no terreno e em termos globais e, maior expressão em altura e menor especialização funcional dos seus “repartimentos”, face à casa nobre. A utilização maioritária de materiais “pobres” e facilmente degradáveis, bem como as alterações das necessidades habitacionais ao longo de cinco séculos fez com que chegassem até aos nossos dias poucos exemplares deste tipo de arquitetura.
Entender a casa é assim entender o Homem, a família, a profissão. A Habitação é o reflexo das atividades quotidianas mais do que das extraordinárias, do esforço individual ou familiar e não do poder político ou religioso, mas talvez por isso reveste-se de uma riqueza histórica e cultural de que as grandes construções programáticas estão isentas.
A Arquitetura Civil Pública e Privada de Guimarães nos Séculos XVII e XVIII
António
José de Oliveira
Doutor em História da Arte Portuguesa | Docente na Escola EB 2,3 Caldas das Taipas | Membro da direção da Muralha-associação de Guimarães para a defesa do património
Doutor em História da Arte Portuguesa | Docente na Escola EB 2,3 Caldas das Taipas | Membro da direção da Muralha-associação de Guimarães para a defesa do património
Nos séculos XVII e XVIII realizaram-se inúmeras encomendas artísticas na vila e termo de Guimarães. Essas obras de arte, resultantes de encomendas pontuais ou integradas em profundos projetos decorativos, traduzem a importância económica, política, religiosa, demográfica e artística de Guimarães. Memória da passagem de cónegos da Colegiada, priores e prioresas conventuais, de juízes de irmandades e de ordens terceiras, de provedores da Misericórdia, de vereadores da Câmara, da nobreza e do mecenato do arcebispo D. José de Bragança, esses espécimes contam-nos histórias de ostentação, de gosto e até de rivalidades.
Nos derradeiros anos do século XVII e a centúria seguinte, a morfologia urbana da vila de Guimarães sofre alterações significativas, particularmente no levantamento e remodelação de edifícios religiosos e civis, de infraestruturas urbanas, e abastecimento de água. Nesse período, a atividade arquitetónica em Guimarães desenvolveu-se em três grandes áreas: imóveis construídos de raiz; conclusão de programas construtivos anteriores; e acrescentamento de estruturas barrocas nos edifícios medievais.
Neste trabalho propomo-nos estudar resumidamente a contextualização de Guimarães nos séculos XVII e XVIII, nomeadamente a sua estrutura urbana e a sua dinâmica social. No capítulo dedicado aos encomendadores, aos artistas e às obras, analisaremos alguns contratos de obra, referentes à arquitetura civil pública e privada, seguindo uma lógica organizativa de clientelas.
Para este estudo compulsámos documentação do Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, como sejam, os livros da Vereação, importantes para o estudo das encomendas municipais, bem como livros de notas do fundo notarial. Os Livros da Vereação permitem-nos verificar que dinâmica artística municipal relacionava-se com a Casa do Senado e da Audiência, bem como com as infraestruturas urbanas (ruas, pontes, casa da alfandega, cadeia e açougue), e o abastecimento de água.
Para a caraterização da estrutura urbana de Guimarães baseamo-nos também em dois tombos dos bens do concelho, datados respetivamente de 1615 e 1735, que nos fornecem informações fundamentais sobre a arquitetura civil de Guimarães, nomeadamente a Casa da Câmara e o Paçodo Concelho (símbolos materiais do poder concelhio e da sua capacidade empreendedora). O Tombo dos bens e propriedades foreiras ao Senado de Guimarães de 1735, revela igualmente outros aspetos relacionados com o conhecimento e reconstituição do espaço interno da Casa da Câmara e do Paço do Concelho. O estudo comparativo entre os dois tombos permite também constatar a evolução arquitetónica destes espaços, bem como o desenvolvimento construtivo dos bens urbanos pertença do Senado. O Tombo de 1735 tem a particularidade de ser aí arrolado o património móvel da Casa do Senado.
Na consulta de contratos de obra, denotámos que o papel desempenhado pelos privados, sob o ponto de vista documental é secundário, não só pelo número de referências e, quando existem, estes surgem ligados à encomenda de: casas e capelas tumulares. No conjunto desta encomendas de iniciativa particular, incluímos desde nobres a homens ligados a ofícios e mesteres (mercadores, sapateiros, tabeliães e ourives). Em relação às Casas Brasonadas encontrámos referência, apenas a quatro contratos de pedraria.
Integramos igualmente contratos de obra, do Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Guimarães, que nos permitem o conhecimento de empreitadas na sua estrutura assistencial pública: o seu hospital.
Nos derradeiros anos do século XVII e a centúria seguinte, a morfologia urbana da vila de Guimarães sofre alterações significativas, particularmente no levantamento e remodelação de edifícios religiosos e civis, de infraestruturas urbanas, e abastecimento de água. Nesse período, a atividade arquitetónica em Guimarães desenvolveu-se em três grandes áreas: imóveis construídos de raiz; conclusão de programas construtivos anteriores; e acrescentamento de estruturas barrocas nos edifícios medievais.
Neste trabalho propomo-nos estudar resumidamente a contextualização de Guimarães nos séculos XVII e XVIII, nomeadamente a sua estrutura urbana e a sua dinâmica social. No capítulo dedicado aos encomendadores, aos artistas e às obras, analisaremos alguns contratos de obra, referentes à arquitetura civil pública e privada, seguindo uma lógica organizativa de clientelas.
Para este estudo compulsámos documentação do Arquivo Municipal Alfredo Pimenta, como sejam, os livros da Vereação, importantes para o estudo das encomendas municipais, bem como livros de notas do fundo notarial. Os Livros da Vereação permitem-nos verificar que dinâmica artística municipal relacionava-se com a Casa do Senado e da Audiência, bem como com as infraestruturas urbanas (ruas, pontes, casa da alfandega, cadeia e açougue), e o abastecimento de água.
Para a caraterização da estrutura urbana de Guimarães baseamo-nos também em dois tombos dos bens do concelho, datados respetivamente de 1615 e 1735, que nos fornecem informações fundamentais sobre a arquitetura civil de Guimarães, nomeadamente a Casa da Câmara e o Paçodo Concelho (símbolos materiais do poder concelhio e da sua capacidade empreendedora). O Tombo dos bens e propriedades foreiras ao Senado de Guimarães de 1735, revela igualmente outros aspetos relacionados com o conhecimento e reconstituição do espaço interno da Casa da Câmara e do Paço do Concelho. O estudo comparativo entre os dois tombos permite também constatar a evolução arquitetónica destes espaços, bem como o desenvolvimento construtivo dos bens urbanos pertença do Senado. O Tombo de 1735 tem a particularidade de ser aí arrolado o património móvel da Casa do Senado.
Na consulta de contratos de obra, denotámos que o papel desempenhado pelos privados, sob o ponto de vista documental é secundário, não só pelo número de referências e, quando existem, estes surgem ligados à encomenda de: casas e capelas tumulares. No conjunto desta encomendas de iniciativa particular, incluímos desde nobres a homens ligados a ofícios e mesteres (mercadores, sapateiros, tabeliães e ourives). Em relação às Casas Brasonadas encontrámos referência, apenas a quatro contratos de pedraria.
Integramos igualmente contratos de obra, do Arquivo da Santa Casa da Misericórdia de Guimarães, que nos permitem o conhecimento de empreitadas na sua estrutura assistencial pública: o seu hospital.
O Azulejo na Arquitetura Civil Portuguesa (sécs. XVI-XVIII): perspetiva evolutiva de um gosto sumptuário
Diana Gonçalves dos Santos
Doutora em História da Arte Portuguesa | CEPESE
Doutora em História da Arte Portuguesa | CEPESE
A par da clientela eclesiástica, que será indiscutivelmente a grande impulsionadora do desenvolvimento e sucesso da arte azulejar do Portugal Moderno, o consumo sumptuário da clientela aristocrática acolherá o azulejo como recurso de qualificação estética preferencial dos seus espaços do quotidiano e de veraneio.
Desde o século XVI que a corte, a aristocracia ligada à administração pública e à exploração ultramarina, seguida da aristocracia militar e política do Portugal Restaurado, e posteriormente da burguesia mercantil, na senda de adornos “modernos” e requintados para as obras de construção, reformação ou ampliação dos seus palácios, casas nobres ou quintas de recreio, tomaram os revestimentos cerâmicos considerando a sua tríplice função prática (fácil manutenção), de renovação do gosto e transfiguração dos espaços.
Do gosto hispano-árabe ao azulejo figurativo setecentista como espelho de modelos sociais e culturais da Europa Moderna, são múltiplos e variados os núcleos remanescentes, evidenciando a versatilidade da aplicação do azulejo como revestimento decorativo de resultado eficaz na dinamização das estruturas murárias tradicionalmente estáticas e despojadas que caracterizam a arquitetura portuguesa desta época.
Desde os compartimentos secundários (corredores, vestíbulos) aos espaços de representação por excelência (átrios de receção, escadarias, salões nobres, salões de baile), desde os espaços que se querem mais funcionais às rotinas do quotidiano (cozinhas) aos recintos de recreio e deleite (terraços e jardins), o azulejo civil, mais do que mero recurso decorativo, será sobretudo espelho de refinamento e erudição.
No âmbito do tema eleito para a II Jornada de História da Arquitetura em Portugal, será oferecida uma abordagem da azulejaria em contextos arquitetónicos civis portuguesesnuma perspetiva evolutiva. Tomando um conjunto de exemplos, serão apreciadas as principais tipologias azulejares aplicadas, a geografia preferencial do azulejo nesses contextos civis, bem como algum do reportório iconográfico representado.
Desde o século XVI que a corte, a aristocracia ligada à administração pública e à exploração ultramarina, seguida da aristocracia militar e política do Portugal Restaurado, e posteriormente da burguesia mercantil, na senda de adornos “modernos” e requintados para as obras de construção, reformação ou ampliação dos seus palácios, casas nobres ou quintas de recreio, tomaram os revestimentos cerâmicos considerando a sua tríplice função prática (fácil manutenção), de renovação do gosto e transfiguração dos espaços.
Do gosto hispano-árabe ao azulejo figurativo setecentista como espelho de modelos sociais e culturais da Europa Moderna, são múltiplos e variados os núcleos remanescentes, evidenciando a versatilidade da aplicação do azulejo como revestimento decorativo de resultado eficaz na dinamização das estruturas murárias tradicionalmente estáticas e despojadas que caracterizam a arquitetura portuguesa desta época.
Desde os compartimentos secundários (corredores, vestíbulos) aos espaços de representação por excelência (átrios de receção, escadarias, salões nobres, salões de baile), desde os espaços que se querem mais funcionais às rotinas do quotidiano (cozinhas) aos recintos de recreio e deleite (terraços e jardins), o azulejo civil, mais do que mero recurso decorativo, será sobretudo espelho de refinamento e erudição.
No âmbito do tema eleito para a II Jornada de História da Arquitetura em Portugal, será oferecida uma abordagem da azulejaria em contextos arquitetónicos civis portuguesesnuma perspetiva evolutiva. Tomando um conjunto de exemplos, serão apreciadas as principais tipologias azulejares aplicadas, a geografia preferencial do azulejo nesses contextos civis, bem como algum do reportório iconográfico representado.